Enfrentando os efeitos de uma pandemia que já deixou mais de 10 mil mortos no país, o Brasil assiste, sem comando, a uma série de desentendimentos políticos sem sentido que tiram o foco da tarefa de salvar vidas, na visão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Para o sociólogo de 89 anos, o presidente Jair Bolsonaro tem se distraído das prioridades lutando contra armadilhas criadas por ele mesmo, em um momento em que a oposição não o ameaça.

“O desentendimento político já vinha de antes, mas agora fica sem sentido: briga sem parar, o presidente dá cambalhota e ele mesmo escorrega. É bastante patético o que nós estamos vivendo”, afirma FHC, que vive o isolamento social em seu apartamento em São Paulo, onde divide os dias entre a escrita e a convivência com a mulher, Patrícia, e a cachorrinha que vive com o casal.

“Eu estive lá [na Presidência] eu sei que é difícil. Eu não gosto de falar levianamente sobre essas questões porque sei que são difíceis. Mas quando o presidente perde o rumo, o país todo fica atônito”.

A falta de uma figura que fale à população com clareza e liderança em um momento de sofrimento, diz o ex-presidente, torna a crise ainda mais delicada. A decisão de trocar ministros, como o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, [“evidentemente o novo ministro tem que se informar”] e o da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, gera ainda mais turbulência e torna o governo mais fraco, na análise do ex-presidente.

“Nessas horas de dificuldade, quem está no governo precisa falar com o povo. Eu me lembro de uma crise no meu governo, naquele tempo era crise de energia elétrica, o apagão. Quando eu soube levei um susto, mas eu chamei todo mundo: oposição, governo, e falava, falava, explicava. Pedia apoio”, afirma, referindo-se à crise energética que, em 2001, interrompeu o fornecimento de energia em diversas regiões do país e exigiu medidas de racionamento.

O anúncio do fim das medidas foi feito pelo ex-presidente em pronunciamento em cadeia nacional, exaltando o papel do povo em reduzir o consumo de energia.

“Aqui neste momento é preciso de um toque de coração, de humanidade. Porque as pessoas estão sofrendo, né?”, diz FHC sobre a crise atual.

Para o ex-presidente, o caminho escolhido por Bolsonaro de contrariar recomendações internacionais e tornar-se cada vez mais isolado vai justamente na contramão do que o país precisa e precisará para sair da enorme crise, que exigirá endividamento público e apoio para socorrer grande parte da população.

“As gerações futuras vão pagar isso, todos vão precisar entender isso. Nós vamos precisar também, nós aqui do Brasil, de apoio. Não já, mas daqui a pouco. Apoio do Fundo Monetário Internacional, apoio do Banco Mundial, apoio dos governos mais poderosos da Europa e dos Estados Unidos, da China”.

A covid-19 também expôs de maneira gritante as mazelas sociais do Brasil, em que grande parte da população não tem condições de se proteger da doença. Dados divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) apontam que, em pleno século XXI, 18,4 milhões de brasileiros não recebem água encanada diariamente.

FHC, que ocupou a Presidência por oito anos, de 1995 a 2002, admite que a sociedade brasileira habituou-se a aceitar a desigualdade, e alerta para o risco de que, passada a fase aguda da pandemia, tudo volte a ser como antes.

Relembra que, desde os tempos em que era senador, propostas para redistribuir renda como a de tributar grandes fortunas eram rejeitadas no debate nacional.

“As pessoas ficavam desesperadas com essa questão de que a propriedade é sagrada, diz. “Nós falamos mal da desigualdade, mas acabamos aceitando a desigualdade. E isso é muito ruim”, afirma. “Crescemos, mas esquecemos a maioria das pessoas, parte importante das pessoas”.

“Tem que haver uma preocupação que tem que vir não só do governo, mas da sociedade, no sentido da solidariedade. Mesmo que você seja egoísta, eu acho que não deve ser, mas se for egoísta, pense que no futuro esse egoísmo custa caro. Depois ele vai cobrar o preço”.

Apesar das muitas críticas ao presidente Jair Bolsonaro, FHC, que apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, se diz contrário a um eventual impedimento do atual presidente, porque ele ainda governa e não há demanda social pelo seu afastamento. “Todos impeachments deixam marcas que são negativas”.

Fonte: bbc Brasil

 

 

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