Marcus Vinícius Beck

“Minhas mãos doceiras/ Jamais ociosas/ Fecundas. Imensas e ocupadas/ Mãos laboriosas”. Os versos da poetisa Cora Coralina me veio à cabeça quando coloquei os pés no Museu Cora de Coralina, à beira do Rio Vermelho, na Cidade de Goiás. Na cozinha, meus olhos vagueiam pelos tachos de cobre, enquanto a imaginação reconstrói o aroma dos doces que um dia foram feitos ali. Nas estantes, livros de poesia e conto. Em cima da mesa, uma máquina de escrever que evocou durante anos o tec-tec das teclas que cantaram tão bem sua terra.

Boa parte dos moradores parece cultuar admiração pela Casa Velha da Ponte. Totalmente compreensível. Foi ali que nasceu e viveu a voz dos becos e vielas da antiga Villa Boa de Goyaz, a escritora Cora Coralina. A casa pertencia à família da poetisa e doceira. Hoje, conta com museu que preserva a história dessa personagem que é praticamente impossível desassociar da Cidade de Goiás. O casarão é mantido como nos tempos em que ela o habitava. Foi na antiga construção que Cora passou a infância, parte da adolescência e o fim da vida.

Aliás, eu estava conversando no ano passado com Marlene Veloso sobre uma fake news atribuída a Cora – reportagem foi publicada na edição do dia 7 de junho no jornal Diário da Manhã – quando conheci o célebre museu. Na verdade, fui à cidade cobrir o Fica, mas a chefia pediu para entrevistá-la. Após findar a conversa, todavia, caminhei pelas ruas de pedra construídas por escravos. Meu passo lento permitiu que o olhar repousasse sobre os belos casarões coloniais e igrejas com arquitetura barroca, dois dos tantos charmes que é possível encontrar na cidade.  

Perfume do Cerrado

Vielas, becos e ladeiras evocam a presença de Cora Coralina, autora dos seguintes versos: “Eu sou estas casas encostadas cochichando umas com as outras. Eu sou a ramada dessas árvores, sem nome e sem valia, sem flores e sem frutos, de que gostam a gente cansada e os pássaros vadios”. O trecho foi extraído do poema Minha Cidade.

Mercado Municipal. Foto: Reprodução/ Iphan

Se você estiver na cidade não pode deixar de visitar a igreja Boa Morte, de estilo barroco. Construída com blocos de pedra e paredes de taipa, abriga desde 1969 o Museu de Arte Sacra da Boa Morte, onde há acervo com mais de mil obras. De autoria do artista José Joaquim da Veiga Valle (1806 – 1874), que escolheu a Cidade de Goiás como sua morada, as imagens de santo que podem ser vistas no museu são talhadas em cedro.

Fundada por bandeirantes, que estavam atrás de índios e ouro, a antiga Villa Boa de Goyaz cresceu às margens do Rio Vermelho. A cruz do Anhanguera, marco histórico, foi levada pela enchente de 2001 e resgatada a 500 m de seu local original. Lá, foi colocada uma réplica dela. Atualmente, a peça verdadeira está guardada no Museu das Bandeiras.

Após caminhar bastante pelas sinuosas ruas da cidade, é imprescindível pensar na gastronomia típica da região. Quem estiver com aquela fome poderá puxar uma cadeira de madeira e render-se ao sabor do cultuado empadão goiano, iguaria feita de frango, carne de porco, linguiça, guariroba e queijo. O prato me foi apresentado pelo jornalista Thompson Silva quando estávamos de ressaca, depois de passar a madrugada em claro bebendo no último dia do Fica.

Aos fãs de uma boa cachaça, fica a dica para saborear a tradicional pinga de mutamba no Mercado Municipal. Embebedei-me no último dia ingerindo alguns tragos da bebida para ‘abrir’ o apetite. E, para seguir a peregrinação boêmia, há o bar do Marlon, no Centro Histórico, com jukebox, tocando desde clássicos da música sertaneja, como Zezé Di Camargo e Luciana, a sucessos da MPB, como Belchior. Rola também música ao vivo em restaurantes. 

Outro ponto para parada obrigatória é no Largo da Carioca. Não o conheci, mas ouvi incontáveis relatos acerca da preciosidade do local.

História

A Cidade de Goiás é testemunha da ocupação e da colonização do Brasil Central entre os séculos XVIII e XIX. Suas origens estão diretamente ligadas à história das bandeiras que partiram de localidades como São Paulo para explorar o território brasileiro. O conjunto paisagístico, arquitetônico e urbanístico do Centro História de Goiás foi tombado pelo Iphan em 1978. Reconhecimento mundial ocorreu em 16 de dezembro de 2001.

O processo de expansão para o oeste exigiu a simplificação dos modelos arquitetônicos na época em função à ausência de técnicas, arquitetos e mestres para ofícios na região. Goiás foi o primeiro núcleo urbano reconhecido ao oeste da linha de demarcação do Tratado de Tordesilhas, que foi o responsável por delimitar as fronteiras da colônia francesa. O seu traçado urbano é um exemplo do desenvolvimento orgânico de uma cidade mineradora adaptada às fronteiras da colônia.

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