Marcus Vinícius Beck
Para quem ainda não sabe e insiste em chamá-lo de ‘brega’ e lhe atribuir adjetivos pejorativos, o cantor goiano Odair José, 70, está mais roqueiro do que nunca. E politizado. A prova disso ocorreu no último sábado (10) durante show na 25ª edição do Goiânia Noise, onde ele mandou ver um rockão clássico, com duas guitarras (às vezes três, dependendo da música), linha de baixo marcante, bateria afinada e metais que embelezavam o tempo marcado pelas baquetas e bumbo.
Com gritos de “ei, Bolsonaro vai tomar no c…” entre uma música de outra, Odair José conduziu o show com clássicos de sua carreira – como “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”, “A Noite Mais Linda do Mundo” e “Nunca Mais” – e canções do disco “Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio”, álbum lançado neste ano pelo selo goiano Monstro Disco. Essa escolha não poderia ser mais sensata, pois a postura de Odair rebate a máxima de que seu trabalho se resume a músicas antigas, e ele está vivíssimo com coisas novas.
Por tudo isso, o show de Odair José impressiona de diversas maneiras. As letras possuem cunho social e político e, assim como ele fez durante os anos de chumbo da ditadura militar, se posiciona politicamente e defende sua visão de mundo. A sonoridade é de primeira linha e a pegada clássica ganha força com músicos de apoio extremamente afinados: é praticamente impossível não admirar os solos de guitarra, o groove do baixo e o sopro dos metais que vem do palco e entra nos ouvidos.
Um dos momentos mais eletrizantes do show é quando o cantor manda “Chumbo Grosso”, música do novo trabalho. A canção critica abertamente o apelo armamentista do governo de Jair Bolsonaro. Também houve tempo para mais protestos, dessa vez estimulados pelo frontman. O clássico “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”, canção que conta a história de um cara que se apaixona por uma garota de programa, ganhou nova conotação. Odair a dedicou a Lula.
Esse show também pode ser visto à luz da onda rock and roll que Odair iniciou em 2015, ao lançar o disco “Dia 16”, e no ano seguinte, com “Gatos e Ratos”. O artista se apresentou naquele ano no Goiânia Noise, e o show já aparentava a verve roqueira de hoje. Odair, no entanto, ainda não havia endossado o coro político da forma que ele faz no momento. Suas apresentações estão imperdíveis e são sinônimos de rock and roll em estado bruto.
Odair José, definitivamente, está longe de ser um artista ‘brega’. Chamá-lo dessa forma simboliza todo um preconceito e, por conseguinte, total desconhecimento da obra dele. Como o compositor da ópera-rock “O Filho de José e Maria”, de 1977, pode ser rotulado de tal maneira? Odair é rock, é atitude e, sobretudo, consciência. São tempos de obscurantismo e a arte cada vez mais segue tendências que a dão conotação essencialmente mercadológica, deixando de lado a reflexão.
Odair é monstro.