Marcus Vinícius Beck

“Ele é o Jair”, diz Silvio Santos para o auditório do “Programa Silvio Santos”. As vozes femininas – que formavam a maior parte do público – devolvem ao apresentador, em uníssono: “Simmmm”. “É Jair, o cantor”, continua Silvio, com seu estilo descontraído que, ao longo das décadas, anima o final do domingo nos lares de norte a sul do Brasil. “Nãããooo”, responde o público. “É Jair, o jogador de futebol?” “Nãããooo.” “Então que Jair é ele?”, indaga o empresário, em definitivo.

Após o dono do SBT prender a atenção do público por alguns minutos, a plateia gritou pausadamente: “Bol-so-na-ro”. Em clima de festa, Silvio pediu para que o auditório desse uma salva de palmas ao presidente Jair Bolsonaro. “Presidente, presidente, presidente”, elas cantaram em coro, como se tivessem dando uma resposta ao proprietário da emissora. Silvio, que estava no fundo da plateia, vem andando com seu terno preto e sem seu característico microfone pendurado na altura do pescoço. Bolsonaro o aguarda de pé.

Foi assim o encontro entre os dois no dia 5 de maio. E, vamos e venhamos, não é mais novidade para ninguém que Jair Bolsonaro e Silvio Santos deram início, ainda no ano passado, a uma amizade que aumentou a audiência do SBT e colocou o presidente em lençóis amigos entre os veículos da grande mídia. Desde a posse do ex-capitão, a camaradagem entre os dois vem tomando forma, e o telejornalismo da emissora de Silvio direcionou sua linha editorial para uma cobertura branda e amena do governo federal.

Segundo Lugar

Com o passar dos meses, o canal de Silvio Santos passou a ocupar o segundo lugar no ranking de audiência, e, segundo balanço divulgado pelo Ibope, essa é a maior audiência do SBT em dez anos. Naturalmente, os familiares e apoiadores do governo de Jair Bolsonaro foram apresentados aos telespectadores, viram nessa medida uma possibilidade de comunicação com milhares de pessoas e a empresa começou a ser chamada – em diversos espaços – de Sistema Bolsonaro de Televisão.

A simpatia de Bolsonaro ao canal de Silvio Santos é perfeitamente compreensível à luz do cenário político. Ele não encontrou clima favorável na maior empresa de comunicação da América Latina, que lhe dedicou – por meio do jornal “O Globo” – editoriais com forte cunho crítico. Também foi possível ver essa guinada na linha editorial do telejornal de maior audiência do País, o Jornal Nacional. Uma vez eleito, o ex-capitão disse que ia boicotar o grupo Globo.

Levantamento realizado pelo UOL, que foi divulgado no último domingo (4) em reportagem de capa da Ilustrada, do jornal Folha de São Paulo, mostra que a Globo ficou com a maior fatia financeira entre os anos de 2017 e 2018, com Michel Temer no comando. No primeiro trimestre desses dois anos, a emissora carioca recebeu R$ 6,9 milhões, em comparação com R$ 1,34 milhões para o SBT e R$ 1,21 milhão para a Record. No ano passado, a Globo continuou faturando mais que as concorrentes.

Neste ano, o ranking para o primeiro trimestre mudou completamente. Em primeiro lugar, ao contrário do que aconteceu nos últimos anos, aparecia a Record (emissora que sinalizou apoio a Bolsonaro ainda durante a corrida eleitoral), com R$ 10,3 milhões. Na segunda colocação, aparece o canal de Silvio Santos, cuja arrecadação foi de R$ 7,3 milhões. E, como era de imaginar, em terceiro aparece a Globo, com R$ 7,1 milhão.

Em abril, no entanto, a Secretaria de Comunicação rebateu os supostos boatos de que haveria critério ideológico na distribuição das verbas publicitárias, e disse que os valores foram aprovados ainda na gestão de Temer, que assumiu o País após o impeachment que destituiu Dilma Rousseff. Mesmo com as ameaças feitas pelo presidente, a gestão atual teria pago mais à Globo do que às demais emissoras.

Sergio Moro, ministro da justiça com imagem desgastada por conta dos vazamentos promovidos pelo site The Intercept, foi no mês retrasado ao “Programa do Ratinho”, no SBT. Moro usou o tempo e a visibilidade concedidos pela emissora para discorrer sobre sua atuação no âmbito da operação Lava-Jato, e defendeu com entusiasmo o combate à corrupção. No mesmo mês, Eduardo e Flávio, filhos do presidente, participaram do “Jogo das Três Pistas”.

Foto: Reprodução

Na verdade, o canal de Silvio Santos não seduziu apenas o clã de Bolsonaro. Outros apoiadores também passaram a circular pelo SBT, e ser presença cativa na emissora. Aliados do presidente, como o empresário Luciano Hang, também viraram figura marcante nos programas, dando diversas entrevistas ao Ratinho, Gentili e Silvio. Hang foi perfilado no programa Conexão Repórter. Disse que não houve ditadura no Brasil e confessou ser favorável a prática de tortura.

Essas afirmações, contudo, passaram sem ser questionadas por Cabrini, o que provocou furor de críticos do governo nas redes sociais. A Havan, empresa de propriedade de Hang, é uma das maiores anunciantes do SBT, o que foi explorado nos comentários que circularam no Facebook e Twitter. Nele, o empresário sugeriu que Silvio demitisse a jornalista Rachel Sheherazade por conta do tom crítico que ela assumiu nas redes sociais em relação ao governo federal.

Segundo a Folha, o SBT diz, em nota, que “o conteúdo jornalístico cabe ao jornalismo e suas respectivas editorias. Os programas em que eles [os políticos] participaram são atrações da linha de entretenimento, portanto mais informais e descontraídas”.

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