Chamada lançada pela agência de fomento impõe teto para renovação de bolsas que estão vencendo em 2021
O primeiro edital deste ano para concessão de bolsas de mestrado e doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) deixou pesquisadores preocupados. Pelas regras da chamada , divulgada em 10 de março, apenas programas de pós-gradução que têm bolsas a vencer neste ano podem concorrer e, ainda assim, limitados a um teto máximo de renovação. Por exemplo: programas pequenos, com até duas bolsas de mestrado ou doutorado, poderão renovar até 100% de suas bolsas; enquanto que programas grandes, com mais de 20 bolsas, só poderão manter até 60% delas.
Trata-se do segundo edital lançado pelo CNPq dentro de um processo de transição do antigo modelo de quotas — em que os programas de pós-gradução recebiam um número fixo de bolsas para distribuir entre seus alunos — para um novo modelo em que as bolsas são concedidas a projetos de pesquisa institucionais. Consequentemente, o processo seletivo passa a ser baseado no mérito dos projetos, em vez do mérito dos programas, e uma vez concluído o período de vigência das bolsas (dois anos para mestrado e três anos para doutorado), elas retornam ao CNPq para serem redistribuídas em novos editais, em vez de permanecerem à disposição dos programas. O primeiro edital realizado dentro desse modelo foi a Chamada 25/2020, concluída em dezembro.
O CNPq afirmou que: “Todas as bolsas cuja vigência expira no primeiro e segundo semestres de 2021 serão recolhidas pelo CNPq e redistribuídas por meio dessa nova Chamada Pública, dando continuidade à mudança do modelo por quotas para a concessão de bolsas por meio de projeto de pesquisa institucional, iniciada com a Chamada 25/2020. Não se trata de recolhimento e nem aumento de bolsas, trata-se de resgatar a missão precípua do CNPq de fomentar a pesquisa científica nas instituições de ensino e pesquisa. O modelo de quotas permanentes disponíveis para os programas indicarem seus bolsistas não será mais usado pelo CNPq, que fará regularmente chamadas para avaliar projetos de pesquisa institucional para a concessão de bolsas de mestrado e doutorado”.
“Dando continuidade ao processo de transição, a atual chamada será de manutenção ou seja, as bolsas recolhidas retornarão para o programa de pós-graduação após a aplicação do critério de transição e circunscritas ao novo modelo de concessão por meio de projeto de pesquisa institucional”, afirmou a agência.
A escassez de bolsas dificulta — ou até mesmo impossibilita, em muitos casos — a participação dos alunos de pós-graduação em projetos de pesquisa, resultando em prejuízos profundos para a formação desses alunos e para a produção científica e tecnológica do País como um todo (já que a maior parte dessa produção ocorre dentro das universidades públicas de pesquisa, feita por estudantes de pós-graduação
“É um corte líquido e certo”, avalia Luis Raul Abramo, professor do Instituto de Física e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Física da USP. Ao mesmo tempo que impõe um teto de renovação aos programas grandes — que, tradicionalmente, são os mais antigos e de maior excelência —, diz ele, o edital não permite que programas novos, que ainda não têm bolsas (ou que não têm bolsas a vencer neste ano) concorram ao benefício.
Outra preocupação, segundo Abramo, é com relação à transparência do processo. Segundo ele, não ficou claro para a comunidade científica como foi feito o julgamento dos projetos no edital anterior — nem como será feito nesta nova chamada. “Se o objetivo é fazer algo mais baseado em análise de mérito, é preciso deixar claro como essas avaliações são feitas”, diz.
Segundo o edital, os tetos de renovação visam à “manutenção de um patamar adequado de bolsas”. “As propostas apresentadas pelos diferentes PPGs (Programas de Pós-Graduação) não concorrem entre si, tendo em vista que os projetos institucionais serão julgados individualmente, com base no número de bolsas do PPG a vencer em cada modalidade (Mestrado e/ou Doutorado) e com a aplicação do respectivo critério de transição. Nesse sentido, não haverá redistribuição de bolsas entre os PPGs”, diz a chamada.
A arqueóloga Ximena Villagran, professora do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da USP, concorda com a intenção do CNPq de induzir (por meio do novo modelo) uma melhor distribuição de bolsas pelo País, mas também cobra um pouco mais de transparência e clareza no processo. “A intenção é boa, mas a maneira como está sendo implementada é muito confusa”, avalia. No edital anterior, segundo ela, o programa conseguiu renovar suas duas bolsas que estavam vencendo em 2020. Agora, espera renovar outras três.
Restrição orçamentária
O edital não diz o que acontecerá com as bolsas que não forem renovadas; mas pesquisadores ouvidos pela reportagem têm poucas esperanças de que elas sejam redistribuídas no curto prazo, dadas as restrições orçamentárias que o CNPq deve enfrentar neste ano. O orçamento de bolsas previsto para a agência este ano é 12% inferior ao de 2020, e 60% dependente da liberação de créditos suplementares.
O valor previsto para ser desembolsado no edital é de R$ 400 milhões, “oriundos do orçamento do CNPq, a serem liberados de acordo com a disponibilidade orçamentária e financeira do CNPq”. No edital anterior, o montante foi de R$ 70 milhões.
“Caso haja um número significativo de bolsas remanescentes ao término dessa chamada, o CNPq poderá utilizar esses recursos em novas chamadas públicas”, declarou a agência ao Jornal da USP.
A comunidade científica conquistou uma vitória importante nesta semana no Congresso Nacional, com a derrubada parcial dos vetos presidenciais à lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Com isso, o FNDCT não poderá mais sofrer “reservas de contingências”, o que significa que todo o valor previsto para arrecadação do fundo em 2021 (cerca de R$ 7 bilhões) estará disponível para investimentos em ciência e tecnologia.
Esses recursos, segundo o CNPq, também poderão ser usados para expandir a capacidade de fomento da agência a programas e bolsas.
Sobre os tetos de renovação previstos no edital, o CNPq explica que eles se aplicam “unicamente a bolsas que estão vencendo em cada um dos semestres computados separadamente”.
“O CNPq tem sido extremamente cuidadoso em mudar o modelo de concessão de bolsas, buscando focar na sua missão que é financiar pesquisa, mas sem impactar de modo brusco qualquer PPG que já conta com bolsas do antigo modelo. Trata-se de uma transição planejada, envolvendo a comunidade científica na discussão e acolhendo sugestões para o aprimoramento da concessão de bolsas aos PPGs por meio de projetos de pesquisa institucional”, declarou a agência.
Fonte: Jornal da USP