O país bateu novamente o recorde de mortes em 24 horas na terça-feira (06/04), ultrapassando pela primeira vez a marca de 4 mil óbitos em decorrência do novo coronavírus. Segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 4.195 pessoas morreram no Brasil em um dia, uma marca só atingida antes pelos Estados Unidos em todo o mundo.
Defensores da proibição ressaltam o agravamento da pandemia nas últimas semanas e dizem que são necessárias medidas drásticas de redução do contato entre a população para que a escalada de mortes seja interrompida.
Já os que pedem a liberação das cerimônias argumentam que a liberdade religiosa é um direito fundamental garantido na Constituição. Para a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), decretos muito amplos de restrição a atividades religiosas acabam dificultando até atividades sem aglomeração, como transmissão de cerimônias online a partir dos templos.
O julgamento no plenário do STF previsto para esta quarta tem o objetivo de pacificar a questão na Corte, já que, no momento, há duas decisões individuais de ministros conflitantes em vigor.
A partir de uma ação movida pela Anajure, o ministro Kassio Nunes Marques liberou no dia (03/04) a realização de celebrações religiosas em todo o país, desde que cumpridas medidas de redução do contágio como uso de máscaras, distanciamento entre os fiéis e limitação do público a 25% da capacidade do local.
“A proibição categórica de cultos não ocorre sequer em estados de defesa ou estado de sítio. Como poderia ocorrer por atos administrativos locais? Certo, as questões sanitárias são importantes e devem ser observadas, mas, para tanto, não se pode fazer tábula rasa da Constituição”, escreveu o ministro.
Na decisão, Marques citou também o transporte coletivo, mercados e farmácias como exemplos de serviços essenciais que continuam funcionando durante a pandemia. “Tais atividades podem efetivamente gerar reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas”, escreveu.
“Daí concluo ser possível a reabertura de templos e igrejas, conquanto ocorra de forma prudente e cautelosa, isto é, com respeito a parâmetros mínimos que observem o distanciamento social e que não estimulem aglomerações desnecessárias”, escreveu o ministro.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, manteve na decisão o veto à realização de cultos religiosos no Estado de São Paulo, determinado pelo governador João Dória, recusando pedido do PSD para derrubar trecho do decreto estadual. É essa ação que será analisada nesta quarta, mas seu julgamento deve fixar regras válidas para todo o país.
Em sua decisão individual, Mendes considerou que a gravidade da pandemia justifica a proibição das celebrações.
“O Decreto que aqui se impugna não foi emitido ‘no éter’, mas sim no país que, contendo 3% da população mundial, concentra 33% das mortes diárias por covid-19 no mundo, na data da presente decisão. O mesmo país cujo número de óbitos registrados em março de 2021 supera o quantitativo de 109 países somados”
Para Mendes, aceitar o argumento de que a proibição dos cultos violaria a liberdade religiosa protegida pela Constituição seria uma “postura negacionista”, “uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o país, e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este Tribunal durante a crise sanitária que se coloca”.
Ambiente favorável ao contágio?
Críticos da liberação dos cultos defendem que a religião pode ser praticada individualmente ou em família, sem sair da casa. Dizem também que celebrações coletivas podem ser praticadas por meio de plataformas online.
Cientistas têm apontado cerimônias religiosas como situações de alto contágio de coronavírus por, em geral, ocorrer em ambientes fechados, com pouca ventilação, e envolver amplo contato entre fiéis, uso compartilhado de objetos e cantos litúrgicos.
Dessa forma, a decisão de Nunes Marques que liberou a realização de missas e cultos em todo o Brasil, do ponto de vista epidemiológico, “vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia”, disse à BBC News Brasil Denise Garrett, infectologista, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos EUA e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute (Washington).
Celebrações religiosas são ambientes de alto risco. Temos vários relatos de surtos originados em locais de culto. Não somente por serem ambientes fechados, mas também pelas atividades desenvolvidas (orações, corais, canto) que propiciam liberação de partículas virais no ar”, explica.
“Então, do ponto de vista epidemiológico a reabertura de igrejas nesse momento da pandemia no Brasil, com altas taxas de transmissão e falência do sistema de saúde, é algo que vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia”, acrescenta.
A Anajure reconhece que cultos coletivos podem ser um fator de risco na crise de coronavírus. Uma nota divulgada pela associação em março de 2020, início da pandemia, inclusive recomendava que os pastores suspendessem temporariamente eventos e cultos.
À BBC News Brasil, o presidente da Anajure, Uziel Santana, disse que a associação mantém essa orientação no caso de cidades em que o sistema de saúde esteja colapsado, com falta de vagas. Na sua avaliação, porém, essa decisão deve caber às próprias igrejas, sem ser algo imposto.
Para ele, a forma como a restrição têm sido estabelecida de forma ampla em decretos de prefeitos e governadores têm dado espaço para abusos.
A Anajure cita na ação um caso de março de 2020 em que “os pastores Jésus Junio Silveira Reis e Nathalia Batista Napoleão, líderes da Igreja Servindo a Cidade, em João Monlevade/MG, estavam no interior do templo, com a filha do casal e com um voluntário da instituição, quando fiscais do Município e, posteriormente, policiais militares chegaram, determinando o fechamento do local”.
Por isso, Santana espera que, ainda que a possibilidade de proibição das atividades religiosas seja mantida, o Supremo fixe limites à duração e à amplitude dos decretos municipais e estaduais.
“Não cabe ao poder público determinar: ‘fechem as igrejas, vocês não podem fazer nada’. As igrejas realizam um trabalho social, têm histórico de atuação em guerras, em crises de refugiados, em epidemias”, argumenta Santana.
“São locais de acolhimento, locais em que pessoas desesperadas se sentem amparadas. E você simplesmente proibir, de modo em que não haja balizas corretas, de que a pessoa esteja ali cultuando, de modo parcimonioso, sem aglomeração, seguindo protocolos, eu acho que isso é irrazoável”, disse ainda.
Fonte: BBC BRASIL