O silêncio respeitoso, o pedido de desculpas e a submissão de Jair Bolsonaro diante do Supremo Tribunal Federal, nesta terça-feira (11), representaram muito mais do que um gesto protocolar. Foram, na verdade, a antítese do personagem político que a extrema direita brasileira construiu — e vendeu — durante mais de uma década. Um vexame para a militância bolsonarista, um golpe simbólico na narrativa do “mito” e um sinal claro de que, quando confrontado pela força legítima da Justiça, o discurso do confronto vira cinismo, e a coragem revolucionária se esfarela em cautela calculada.
Diante dos ministros do STF, o ex-presidente adotou uma postura que surpreendeu até mesmo alguns dos seus críticos mais céticos. Foi educado, pediu permissão para falar, apresentou versões fora do escopo das perguntas e, em determinado momento, chegou a pedir desculpas. Nada da altivez retórica que marcava seus cercadinhos semanais. Nada de ataques ao “sistema”, à “velha política”, ou ao “ativismo judicial” do Supremo. Bolsonaro não atacou, não ironizou, tampouco liderou qualquer insurgência verbal em defesa da tal “liberdade”.
A cena, que em muito contrastou com a de seus apoiadores mais fanáticos — os que acamparam em frente a quartéis, atacaram jornalistas, invadiram Brasília e bradaram por golpe —, escancarou a fraude moral e política que sustentou a “direita bolsonarista”. A direita que, ao invés de apresentar um projeto sério, liberal, eficiente e comprometido com o combate à desigualdade, entregou ao país uma caricatura. Um culto à personalidade de um ex-capitão do Exército que, diante do peso real da lei, age como um político tradicional, acuado, e em busca de acordos que o livrem da prisão.
É legítimo questionar: o que dirão agora os que foram às ruas e às redes em nome do “guerreiro do povo brasileiro”? Como explicar às futuras gerações que um movimento de massas — que se dizia conservador, nacionalista e antissistema — serviu apenas para sustentar uma família política sem lastro ideológico consistente, cujas referências mal passavam do misticismo tosco de Olavo de Carvalho e de um ultraconservadorismo copiando mal e porcamente slogans norte-americanos?
O bolsonarismo, ao que parece, rui não apenas sob o peso das investigações, mas da própria incoerência. Seus principais expoentes — generais, deputados, empresários, influenciadores — ou se calam, ou buscam reescrever a história recente, apagando seus discursos inflamados e ensaiando o que já é uma tentativa de sobrevivência política pós-Bolsonaro. O problema é que a memória coletiva do país não é tão curta quanto eles imaginam.
O depoimento de Bolsonaro ao STF pode ter valor jurídico limitado, mas seu valor simbólico é imenso. É o retrato de uma liderança que, quando confrontada com os limites institucionais da democracia, prefere o recuo protocolar à rebeldia esperada. A direita brasileira — séria, moderna, reformista — ainda pode e deve existir. Mas ela não passa mais, e nunca passou de fato, pela figura de Jair Bolsonaro. E é hora de os que ainda se consideram conservadores fazerem essa autocrítica, enquanto é tempo.
A história cobrará explicações. E não será com pedidos de desculpas que os erros serão perdoados.
Diego Alves – Observatório Cerrado