Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados quando viajavam pelas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, no início do mês. Dom, que estava escrevendo um livro sobre como salvar a Amazônia, visitava a região para conhecer o trabalho de Bruno junto a uma associação indígena local, que vinha se contrapondo a garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais.
Segundo a polícia, Bruno havia sofrido ameaças por causa do trabalho, assim como também enfrentava ameaças o seringueiro Chico Mendes antes de ele ser morto em Xapuri, no Acre, em 1988. Chico Mendes liderava um sindicato que criou a estratégia dos chamados “empates”, nos quais seringueiros desmontavam acampamentos de peões contratados por fazendeiros para derrubar as matas. Por causa das ações, foi assassinado com um tiro de espingarda quando se preparava para tomar banho em sua própria casa.
A filha do seringueiro, que tinha 19 anos quando o pai foi morto, conta que já imaginava que Dom e Bruno pudessem ter sido assassinados quando soube do desaparecimento da dupla, na última segunda-feira (06/05).
“Eles têm o mesmo propósito, a mesma causa coletiva: a luta pela preservação do meio ambiente e das populações que estão nesse meio”, diz Ângela em entrevista à BBC News Brasil.
“Se você considera o cenário de extremos ataques a essas populações e territórios, que têm como pano de fundo a exploração mineral, a retirada de madeira, (a criação do) gado, no final das contas, a realidade do Chico é a mesma que enfrentavam o Bruno e o Dom”, ela afirma.
Ângela lembra que o Brasil figura entre os primeiros colocados nos rankings de países onde mais ativistas ambientais são mortos. “A gente sabe que, com o cenário que está posto, de intenso incentivo (a crimes contra ativistas ambientais) e impunidade, o fim não poderia ser outro”, afirma.
Segundo Ângela, Dom e Bruno são parte da terrível lista das pessoas que lutavam pela preservação e acabaram viram estáticas em obituários. A filha de Mendes vê semelhanças entre quadrilhas que atuam no Vale do Javari, onde os ativistas morreram, e as que estão presentes na Reserva Extrativista Chico Mendes, criada após a ação de seu pai.
A polícia diz suspeitar que um grupo de pescadores ilegais vinculado ao narcotráfico esteja por trás das mortes de Dom e Bruno. Na reserva Chico Mendes, também estão agindo aliados ao narcotráfico, segundo Ângela.
“É uma situação muito difícil para a gente, e quem está no território está sendo dominado, oprimido. Sabemos que pessoas nesses lugares estão sendo ameaçadas”, afirma.
A ambientalista também vê similaridades, ainda que com variações, entre a relação que o governo federal mantém com a Amazônia hoje e a que mantinha nos tempos de seu pai.
Chico Mendes se tornou um ativista durante a ditadura militar, quando o governo incorporava na Amazônia os lemas “integrar para não entregar” e “uma terra sem homens para homens sem terra”, estimulando a ocupação da floresta sob o pretexto de garantir a soberania nacional sobre o território.
No entanto, diz Angela, “ao chegarem aqui, os ‘proprietários’ se deparavam com uma floresta viva, cheia de gente, pessoas que vieram principalmente do Nordeste para o cultivo do látex, e começaram a expulsar e matar essas pessoas, que aqui já estavam há 30, 40, 50 anos”.
De acordo com Mendes o governo atual “é a interface do governo militar da ditadura”, que, segundo ela estimula esse estado de violência e acaba causando toda a tragédia na vida de quem está ali lutando pela natureza.
Ela lembra o episódio conhecido como o Dia do Fogo, em 2019, quando fazendeiros no Pará se organizaram para queimar áreas de floresta no mesmo dia para dificultar a fiscalização.
Segundo ela, o grupo se sentiu encorajado por declarações do presidente Jair Bolsonaro críticas a órgãos de fiscalização. “Esse tipo de atitude incentiva e banaliza a violência”, afirma. A BBC enviou as críticas de Angela à Presidência da República, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Por BBC