Marcus Vinícius Beck
Após o golpe de 1964, não demorou para os militares mostrarem como governariam o Brasil. Em 7 de junho de 1965, o jornal goiano Cinco de Março, semanário que tinha posicionamento contrário à Ditadura Militar e antecessor do Diário da Manhã, deu na capa o seguinte título: “Nomes dos estudantes presos na antiga capital do Estado”. Escrito pelo jornalista Batista Custódio, o texto dizia que a repressão havia chegado até a velha Villa Boa de Goyaz, antiga capital do Estado.
Com seu inconfundível estilo, Custódio abriu a matéria dizendo que “a crise política administrativa” que estaria instaurada na Cidade de Goiás se deu em função do afastamento por subversão do professor Orley Gavião Gonzaga de Castro, diretor do Colégio Estadual de Goiás, antigo Lyceu de Goyaz. Esses fatos, mesmo sendo diferentes do que ocorria no âmbito nacional, eram consequências das primeiras sanções impostas pelos militares, que retiraram direitos políticos no Ato Institucional Número 1 (AI-1).
Em Goiânia, na década de 1970, o então acadêmico de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), Reinaldo de Assis Pantaleão, era perseguido por professores universitários ligados ao Serviço Nacional de Inteligência (SNI). “Sabiam o que líamos, o que discutíamos com nossos colegas. Por isso, cheguei a ser preso na Faculdade de História e tive muitos amigos que desapareceram”, contou Pantaleão, em entrevista ao Programa Okupa Cabeça, durante as ocupações da Primavera Estudantil, em 2016.
“Em 1964, foi utilizado um método extremamente fascista, que posteriormente seria transportado para as polícias. Fui vítima de tortura na época da ditadura, e não tenho dúvida de que isso ainda existe e atinge a população mais marginalizada”, diz. “Hoje, continuo na luta política, pois ela nunca acaba. Comecei a militar no final do ensino médio na Teologia da Libertação. Era luta pela reforma agrária, bandeira cara. Conheci Chico Mendes (líder ambientalista morto por fazendeiros no Acre, em 1988)”, relata.
Marco Antônio Dias
O jovem nasceu em Sorocaba, interior de São Paulo, e é considerado o mais jovem desaparecido político – ele foi sequestrado pelos agentes da repressão aos 15 anos. Veio para a capital goiana no início da década de 1960, com a família, atrás de dias melhores. Marco Antônio Dias estudou no colégio Atheneu Dom Bosco e em seguida no tradicional Lyceu de Goiânia, escola localizada no Setor Central de Goiânia.
Ali, travou o primeiro contato com as ideias marxistas. Virou o “Marcos Chinês” por sempre andar com o “Livro Vermelho” (obra escrita pelo comunista Mao-Tsé-Tung, em 1964) debaixo do braço, o que despertou nele simpatia pelos ideais maoístas que impulsionaram a Revolução Cultural na China (1966-1976). Com isso, passou a ser figura pelos militares, que passassem a lhe perseguir. Chinês falava cinco idiomas.
Marco Antônio Dias integrou a delegação de Goiás que foi ao Congresso Nacional da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), em Belo Horizonte, no dia 13 de dezembro de 1968. Lá, ele ficou sabendo que fora decretado o Ato Institucional Número 5 (AI-5), decreto responsável por fechar o Congresso Nacional e tornar legítima a caça aos opositores da ditadura. Meses depois ingressou na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) – organização dirigida pelo revolucionário Carlos Lamarca (1937-1970).
Em texto publicado no portal de notícias Brasil 247, o jornalista e sociólogo Renato Dias, irmão de Marco ‘Chinês’, escreveu que o jovem fez ações históricas antes de ser capturado pela equipe do capitão Marcus Antônio de Brito Fleury, ex-comandante da Polícia Federal e chefe da repressão em Goiás. “Marcos Chinês protagonizou coisas como a explosão do jeep do coronel Pitanga Maia, secretário de Estado de Segurança Pública à época. Segundo Dias, autor do livro-reportagem “O Menino Que a Ditadura Matou: Luta Armada, VAR-Palmares e o Desespero”, de 2015, o ato ocorreu em 1969.
Maria Augusta Thomaz
Nascida em 14 de novembro de 1974, na cidade de Lemes, no interior de São Paulo, a jovem Maria Augusta Thomaz abandonou a carreira de filósofa para ingressar na luta armada, e foi capturada pela repressão em Rio Verde, na Região Sudoeste de Goiás, a 200 quilômetros de Goiânia. Thomaz, que usava codinomes como “Sofia” e “Renata”, atuou em um primeiro momento na Aliança Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, e depois participou do Movimento de Libertação Popular (MOLIPO).
Bela, de olhos verdes, cabelos longos e magra, Thomaz foi assassinada aos 25 anos e sua ossada enterrada em uma fazenda no interior do Estado. No livro “As quatro mortes de Maria Augusta Thomaz”, lançado em 2012, o jornalista Renato Dias relatou que um dos responsáveis pela morte da militante e do companheiro, Márcio Beck, teria sido o então diretor regional da Polícia Federal, Marcus Antônio de Britto Fleury, o mesmo que foi um do ‘cérebros’ por trás do desaparecimento de Marco Antônio Dias.
A mãe de Maria Augusta Thomaz, Olga Thomaz, não chegou a conhecer o destino de sua filha. Na madrugada de 17 de maio de 1973, uma Força-Tarefa organizada pelo DOI-Codi, Deops (GO), PF, PM (GO), PC (GO) e Ciex (Centro de Informações do Exército), na Fazenda Rio Doce, em Rio Verde (GO), executou sua filha ao lado de Márcio Beck Machado. Ambos os corpos acabaram enterrados na propriedade rural. Sete anos depois, Renato Dias descobriu o crime e onde estariam os restos mortais do casal.
Membros do MOLIPO, dissidência da ALN, Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado poderiam terem sidos presos, julgados e condenados. Porém, a sentença do porão do DOI-CODI, instalado em São Paulo (SP), comandado à época por Carlos Alberto Brilhante Ustra (um dos maiores torturadores da Ditadura Militar), morto em 2015, era executá-los. Sem direito à defesa, nem nada. E a ordem foi seguida à risca. Assim foi a Ditadura Civil-Militar: sádica, opressora, assassina e bárbara.