História, cinema, teatro e gastronomia. Essas palavras integram a vibe da cidade mineira de Tiradentes, a 198 quilômetros de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Fundada no início do século XVIII, quando paulistas descobriram ouro nas encostas da Serra de São José, o arraial foi batizado com o nome de Santo Antônio do Rio das Mortes.

Alguns anos depois passou a ser conhecido como Arraial Velho, atual São João Del Rei. O município viveu exploração de ouro e acabou sendo um dos primeiros centros produtores de Minas Gerais.

No século XIX, os republicanos ficaram impressionados com o palco da Inconfidência Mineira. Em seus discursos, o ativista político Antônio da Silva Joaquim (1860-1891) sugeriu que o nome do município homenageasse uma personalidade relevante para a memória nacional.

Com a proclamação da república, que ocorreu em 6 de dezembro de 1889, a cidade passou a se chamar “Cidade e Município de Tiradentes” e foi tombada como patrimônio histórico pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em  1938.

Tal iniciativa proporcionou a recuperação e a preservação arquitetônica das charmosas e sinuosas casas, lampiões, igrejas e monumentos.  Com isso, a cidade de Tiradentes tornou-se um dos centros históricos da arte barroca no Brasil, o que fica explícito ao entrar na Igreja Matriz de Santo Antônio, construída em 1710.

O templo é o segundo do país em douramento e uma das mais belas construções do Brasil, mas para visitá-lo é preciso desembolsar R$ 5 para a manutenção. É impossível não se impressionar com os lustres de prata e a quantidade de ouro que ornam o altar.

Tiradentes ainda hoje preserva suas raízes que remetem ao período colonial. Patrimônio histórico nacional, a cidade de fato é bem preservada e o visitante percebe o clima da época ao caminhar pela ruas de calçamento rústico e pedra do centro histórico.

Apesar de toda essa áurea tricentenária, Tiradentes não vive somente de suas tradições. Uma Tiradentes mais moderna se revela ao público por meio de iniciativas culturais, como a Mostra de Cinema de Tiradentes e a Mostra de Teatro, que democratizam o acesso à arte com exibições de filme e peças ao ar livre.

Além disso, uma das atrações mais interessantes é o Museu da Liturgia, inaugurado em 2012. Único dedicado ao tema na América Latina, o espaço conta com um acervo que possui mais de 400 peças sacras dos séculos XVIII e XIX.

Também é uma valiosa experiência visitar a residência do padre Carlos Correa de Toledo Melo. Sem falar no Museu Sant´ana, instalado na antiga Cadeia Pública de Tiradentes, que abriga 291 imagens de Sant´ana. Lá é possível contemplar obras brasileiras de várias regiões do País, produzidas entre os séculos XVII e XIX.

Moldura serrana

O extraordinário verde da Serra de São João, que ao longe realça a paisagem da histórica cidade mineira, também atende ao ecoturismo da região. Se quiser respirar um ar mais fresco, há opção por fazer rolê a pé para os arredores de Tiradentes.

As caminhadas geralmente duram duas horas, mas no frigir dos ovos vale a pena porque a sensação que toma conta de nós é a melhor possível. Passeios assim são acompanhados por guias turísticos – mas nesses tempos de Mostra de Cinema de Tiradentes é possível se deparar com gente bêbada ofertando tais serviços na rua.

Mas se, pela manhã, o clima é convidativo para bater pernas, o final da tarde – horário valorizado pelo mineiro – é o momento que pede um pão de queijo gigante típico da terra dos escritores Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.

O único problema é que o preço, por tratar-se de uma cidade histórica e turística, é salgado para o bolso do cidadão: um refrigerante de lata não sai por menos de R$ 7 e para o almoço é bom ir preparado para pôr a mão na carteira sem dó, já que as refeições não costumam ser menos que R$ 80.

Os boêmios podem ficar despreocupados, pois Tiradentes conta com bares aconchegantes e agradáveis. Nesses dias de Mostra de Cinema os botequins costumam ficar lotados durante o dia todo e vão até altas horas da madrugada abertos.

Porém, assim como acontece nos cafés e restaurantes, as cervejas e destilados estão acima do preço convencional para os padrões goianienses: uma noite etílica não fica menos de R$ 100, preço que seria suficiente para embriagar-se na vida noturna de Goiânia.

Percepção

Ao contemplar a riqueza arquitetônica barroca de Tiradentes tive a impressão de que os 301 anos da histórica cidade mineira reduziu nosso tempo no espaço e alterou nossa percepção. As portas, as janelas, as igrejas, as ruas… é tudo grande, como se os detalhes que vemos atualmente fosse reduzido ao longo das décadas à medida em que passamos a ter o poder do zoom.

A cidade charmosa, com suas ruas sinuosas estreitas, ornadas, com o verde pulsante da Serra de São João ao fundo, nunca teve grande número de habitantes: Tiradentes tem pouco mais de 7 mil habitantes.

Assim, sua extensão e a quantidade de sua população faz com que Belo Horizonte ganhe status catastrófico em relação ao berço da civilização euro-mineira. Tudo é menor, mais enxuto na capital mineira – como em qualquer capital do Brasil.

Os quartos, as construções, a arquitetura (apesar de o bairro da Pampulha, construído pelo ex-prefeito Juscelino Kubitschek, ser modernista), a esperança, a paciência, o desejo. Só o trabalho é alto, desnecessário, repressor nos grandes centros em BH.

BH, assim como Goiânia, é ansiosa. Uma ânsia de progresso e tecnologia. BH é a materialização do sonho financeiro, da especulação imobiliária, embora a cidade tenha uma cena cultural responsável por revelar gente talentosíssima, como o poeta Carlos Drummond de Andrade.

É difícil de observar, de escrever, de compreender. É uma gama de cruzamentos nas ruas com pneus de moto destacados ali, simbolizando o medo. BH, tal como toda cidade com mais de um milhão de habitantes, é a morte do afago, do bom-dia, da fofoca de portão.

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